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domingo, 15 de julho de 2007

Mataram o Passarinho

Mataram o passarinho
Édi Prado *
No dia 19 de setembro/06, quase ao romper da primavera, o dia amanheceu estranho. O Passarinho não estava no “ninho”. A frente da Casa da “Irmã”, próximo à mangueira, em frente à “orelha grande”, ou orelhão azul em frente ao Bar da Euda, estava estranho. O Passarinho não estava lá. Nem a “cama” dele. “Balaram” o Passarinho, só poderia ser. Ele voava por todo e em qualquer boteco, mas sempre voltava pro “ninho” dele.
O que aconteceu com o Passarinho? Quando a conversa é saber da vida dos outros, os emissários aparecem rápido: - O Passarinho levou um tombo e foi levado pelos bombeiros, com o ouvido cheio de formiga. Este emissário só sabia que fora levado para o Pronto Socorro. Como se “dá entrada” num pronto socorro com um passarinho com o ouvido cheio de formiga? Só a D.Euda, a proprietária do bar e lanchonete localizados quase em frente à entrada principal da Escola Bartoloméia, na Hamilton Silva, sabia o nome dele: Manoel Moreira de Andrade nasceu em 12.03.1938, numa cidade do Thinguá, no Ceará.
Como estaria registrado no Pronto Socorro? Passarinho? Um mendigo, bêbado ou como cachorro sem dono? Como localizá-lo? Uma missão que exigia sair de cama em cama em todas as enfermarias para tentar identificá-lo. Não precisou. O Quincas, o “companheiro” de Passarinho nas “pirangagens” sentenciou: - O passarinho morreu. Pronto. Foi um misto de tristeza, saudade, lembranças, “causos” e até o sentimento de premonição foi lembrado.
A D. Euda, “mãe de Passarinho”, ainda tentou, às vésperas, dar um banho nele, como fazia com freqüência. Passarinho sacudiu as asas e disse que queria morrer sujo, mesmo. A ”Irmã” lembrou que como demorou em trazer o lanche, também oferecido diariamente pela janelinha da casa dela, ouvia xingamentos e quando procurou por ele, só o “cheiro”.
Se o Quincas disse que o Passarinho morreu, o próximo passo seria tentar localizar o corpo dele. Era a preocupação geral. Foi um tal de liga para o necrotério, “que eu tenho um parente influente lá”, Polícia Técnica,”onde trabalha o meu cunhado” pros “anjos da morte”, que são os representantes das funerárias, que adoram um defunto e nada. Nisso aparecem a “Irmã” de caridade, acompanhada de uma assistente social, prontificando-se a providenciar todo o funeral, com certa pompa, como se despede de alguém que é bem melhor ir para bem longe.
Na Polícia Técnica não havia ninguém, de sexta até segunda-feira com as características: baixinho, magricela, cabeça branca, moreno mais pra tisnado de sol, calças quase sempre esfarrapadas e geralmente sem camisa, descalço, com poucos dentes e olhinhos de águia. “Todos os mortos foram levados pelos parentes deles”, relacionou o funcionário da Politec. Definitivamente não era o Passarinho. Ele não tinha parentes em Macapá, a não ser o Quincas, o João, o Manoel e a outra “Coisinha”, todos pinguços pirangueiros.
Não se sabe quem, mas garantiram que o Passarinho estava na enfermaria G no Pronto Socorro, todo amarrado. É que passarinho que se preza, não gosta de gaiola. Todas às vezes que se descuidava, o Passarinho tentou escapar e na penúltima tentativa, levou outro tombo e ganhou um “lanho” na cabeça. Foram visitá-lo, além de esquecerem o lanche dele na portaria, ele estava dormindo. Valeu a visita. Era ele, mesmo. E a garota que foi visitá-lo, teve a nítida impressão de ver nos “balões” dos sonhos dele, como nas histórias em quadrinhos, um passarinho saindo na ponta dos pés em direção ao mundo, bem no estilo piu-piu. Ela voltou e deu a notícia: O Passarinho estava tão vivo que o amarraram. A Irmã não mais apareceu oferecendo um lanchinho para levar pra ele. A assistente social esqueceu do presente, das flores e dos castiçais grandes e o outro benfeitor, não foi nem perguntar com estava o Passarinho, se precisava de uma cibalena, pelo menos. Dizem que está solto por aí. Deve estar procurando outro ninho. No pronto socorro ele não está. Já foram ver. E agora, Passarinho? Se ao menos tivessem pagado toda a indumentária do teu enterro, poderias agora vender para outro pré-defunto e sair por aí desfrutando desse presente que a morte te deu. Mas nem pra isso tens sorte. Como estás vivo, ora para que solidariedade, um remedinho? De uma coisa podes ter certeza: Quando não mais puderes bater asas, haverá sempre alguém caridoso para ofertar teu último ninho.Até mais, qualquer dia a gente se cruza nas encruzilhadas. E nesse dia, vou te pagar uma, em dose dupla.
Obs: Manoel Moreira de Andrade, O Passarinho, nasceu em 12.03.1938, em Tinguá (Ce). Rodou o Brasil e quase toda a América latina, como motorista de carreta, caminhão e mecânico. Chegou por aqui puxando uma carreta e nunca mais saiu. Entre uma oficina e outra havia um boteco e muita gente para conversar. Os assuntos eram tantos e tão cumpridos, que a oficina foi ficando pra depois. Até que um dia, não existia mais oficina. Quem o via por aí, jogado no ninho dele comentava: - Este aí, foi um grande mecânico. Um excelente motorista. E passavam deixando o Passarinho com as histórias, que ele contava e discutia com as miragens. O interessante é que só agora se reconhece que ele FOI isso, aquilo e mais aquilo isso. Será que ele era reconhecido quando ERA ou só é lembrado por que FOI? Só sei que o Passarinho está por aí, voando baixo e com as asas e o moral quebrados, esperando a “hora chegar”. Mas Passarinho, uma coisa me deixou intrigado, quando eras um bom mecânico te davam oportunidade de trabalho? Pagavam-te pelo teu serviço? Criaram oportunidade para aproveitar este teu talento? Pelo jeito tu eras um bom mecânico. Até hoje lembram disso com reverência. Pena que não haja tempo para desfrutares desta glória. O teu reconhecimento chegou tarde, tarde demais.Ah! Na expressão “balaram” o Passarinho, é uma forma amazônica de dizer que alguém ou alguma coisa foi atingida por uma pedra ou outro objeto, por meio da baladeira, estilingue, bodoque, atiradeira...• Édi Prado - Jornalista amapaense, formado em 1982, pela Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso – Rio de Janeiro.
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... E o Passarinho nem levantou vôoÉdi Prado
Ontem (24.10) minha mulher assistia a um programa de TV local e gritou para eu ver rápido. Sai do escritório a mais de 20 por minuto. O repórter indignado clamava piedade para um ancião, que lhe foi negado sequer entrar no Abrigo São José e deixado à mercê da piedade de outros seres humanos. Os guardas municipais que o acolheram em frente à calçada do prédio da Prefeitura e o conduziram para o único lugar que eles consideraram o mais adequado para um ancião, com 68 anos, recém saído do pronto socorro, com fome, frio e sob ameaça de uma torrencial chuvarada e todo cheio de curativo e sem ter para onde ir. Eles não acreditavam no que estavam ouvindo. A diretora mandou dizer que não iria abrigar aquele homem em hipótese nenhuma e não havia quem a fizesse mudar de opinião.
E o Passarinho estava ali, asa quebrada, mofino, sem força até para piar e esbravejar como é a marca dele, implorando por um cantinho para dormir. E era noite. Enquanto não sofrera acidente, o “ninho” dele estava sempre pronto. Não havia tempo ruim. Agora estava ali, sendo protegido por guardas municipais, no portão da casa destinada aos velhos desabrigados e sem família, com acesso negado. Inconformados e até desafiados, os guardas foram até ao Fórum. Contaram a história para o juiz de plantão, que ordenou o imediato abrigo ou trazer a diretora para uma conversa com o juiz.
E o Passarinho finalmente pôde tomar banho, vestir pijama, tomar café/lanchar/almoçar e jantar tudo ao mesmo tempo. Não agradeceu aos benfeitores. Para ele, ajudar os outros é obrigação. É assim que ele faz quando tem ou pode ajudar alguém. A vida de rua ensina a solidariedade. Mas o Passarinho corre risco no Abrigo São José. Depois de tudo que aconteceu, onde teve até juiz no meio, boa coisa não se pode esperar.
Mas na porta do Abrigo existem os 10 mandamentos do Abrigo. Todos eles foram descumpridos e com direito a matéria de televisão, que tem como telespectador até juiz, governador, prefeito, desembargadores, bispos, promotores públicos, gente humilde, secretários de promoção social, assistentes sociais e até a diretora do Abrigo São José. E novamente o Passarinho corre risco de “não se adaptar” ou até passar mal com tantas gentilezas ou provocar ciumeira entre os outros abrigados.
Está na hora de questionar o critério de indicação de pessoas para a direção desses centros solidários, creches, abrigos e casas assistenciais. Muitos passarinhos estão ameaçados de extinção. Ambientalistas, correis.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vocês sabiam, que o Passarinho é a grande atração do Abrigo São José? Ele recebe mais de 10 visitar por dia e para não ser tão egoísta, ele divide as visitas para quem nunca foi visitado e a casa está um festa. Baleu, Passarinho. Essa foi a maior quebrada de asas que destes.

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