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segunda-feira, 17 de março de 2008

Reamassaram a Panela do Povo

Édi Prado 16.03.08

Pela segunda vez o mesmo crime, praticado pelas mesmas pessoas, entra para o rol das bravatas. Bravatas essas contadas como ostentação e abuso de poder, jogando na lata do lixo todos os preceitos de liberdade e democracia, conquistadas a duras penas de tortura, morte, desaparecimento de pessoas e perseguições implacáveis. O crime de censura econômica e poder político, continua sob os olhares desatentos e ouvidos moucos dos fiscalizadores da lei e até mesmo dos sindicatos dos Jornalistas Profissionais e do Sindicato dos Radialistas do Estado do Amapá. Rasgaram a Constituição Federal e Estadual e o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Amapá, num saudosismo absolutista, repete a velha frase: “O Estado sou Eu”. E pela segunda vez “amassa” o Programa Panela do Povo, apresentado por Jara Dias, Paulo Figueiredo e Luciano Marabaixo, que estava no ar, diariamente 8:30 h às 10 h na 94,5 FM e de 12 h às 13 h na Globo 670 - AM. O Panela do Povo inova e inaugura um novíssimo capítulo na história do rádio no Amapá. O submisso e passivo ouvinte, ganha o status de Dono do Programa e as ligações feitas por ele ou por ela, tem prioridade inclusive para pedir licença ao entrevistado ou aos apresentadores, para priorizar a ligação telefônica seja de quem for.

O DONO TEM VEZ E VOZ

O Panela do Povo é temperada com denúncia, informação, prestação de serviço, crônicas e direito de defesa ou de informar o que está ou ficou pendente. É livre. Mas a liberdade com responsabilidade. Sem abusos ou excessos que permitam agressões ou ofensas a quem quer que seja. O grande problema é que a maioria dos programas radiofônicos da cidade, por terem amarras políticas e econômicas com os governos, políticos, partidos ou até mesmo empresários que dependem do governo como única fonte de renda, têm o censor introjetado nos cabos elétricos das emissoras. Nada pode ser dito, comentado ou insinuado e que venham refletir numa situação incômoda para quem “banca” esses programas. Quando não são verbas oficiais, o “jabá” garante a subserviência. Para quem não conhece como funciona os meios de comunicação, os governos são impecáveis, infalíveis, angelicais e até semideuses. Não erram nunca.

A VOZ DO POVO É GRITO

E aí é que o Panela do Povo faz a diferença. Não existe especialista, político/âncora, porta-voz do estado e censor. Todo mundo tem vez e voz. Se conseguir contato telefônico, pode ter a certeza que vai falar e ser ouvido. Se o que ouve não gosta do que ouve, troque de sintonia. Vai escutar brega em outra emissora. E por isso, “só por isso”, o presidente da AL, Jorge Amanajás, esbanjando poder político e financeiro, paga o dobro, o triplo, não importa quanto, mas que tirem o programa do ar. E coloque o dele. E aí não se respeita o contrato. Vale quem paga mais. O dono da emissora é um leiloeiro de horário. E no “Programa dele”, da Assembléia Legislativa, fala de projetos, requerimentos, leis e outros palavreados que o povo não entende e nem quer entender, porque tudo isso é como fantasmas que circulam as periferias e não se vê nada concreto, material, que venha resolver as grandes aflições da comunidade como a buraqueira, falta de escola, postos médicos, remédios, transporte coletivo, trabalho, abrigos de passageiros, segurança pública, iluminação, água encanada e outras mazelas dignas das grandes favelas brasileiras. Mas o que a Assembléia Legislativa faz com os quase 8 milhões de Reais por mês repassado pelo Governo do Estado? Essas pergunta, tão frequentemente feita no Panela do Povo, continua sem resposta e incomodando o senhor presidente que não se acha no direito de prestar conta dessa dinheirama toda.

QUANTO E COM QUÊ A
AL GASTA POR MÊS
Gastar. Esse verbo, mesmo. gas.tar v. 1. Tr. dir. Tornar menor, pelo atrito, o volume de. 2. Tr. dir. e intr. Despender (dinheiro, bens, forças etc.). 3. Tr. dir. Consumir, destruir. 4. Tr. dir. Desperdiçar, dissipar, malbaratar. 5. Pron. Acabar, extinguir-se. E quando se ouve falar em gastar, a idéia é sempre de desperdício. “Os canos da CAESA se rompem e fica gastando água o dia inteiro”.
Eis um exemplo típico e clássico do verbo gastar. Usar o dinheiro público de forma irresponsável e sem prestação de contas, também é gastar. E dinheiro público, verba pública não é para se gastar um centavo. Recursos financeiros e públicos devem ser investidos, aplicados, usados com responsabilidades para benefício comum a todos. E os governantes federal, estadual e municipal, além dos Poderes Legislativos confessam publicamente e anunciam que vão gastar dinheiro e ninguém faz nada e todos aceitam pacificamente como se isso fosse o normal, o correto? Todos ouvem esse verbo ser aplicado nessa forma sempre e ninguém fala ou protesta ou denuncia? Eu tenho feito a minha denúncia publicamente e nunca surtiu nenhum efeito. Nem na forma de disfarçar o desperdício de recursos públicos. Mas estou fazendo a minha parte.

O POVO PERDEU A CAPACIDADE
DE INDIGNAÇÃO E DE SE REBELAR?


Essa acintosa forma de exibir poder, bravatas e “gabolices” entre os que assediam o poder, extrapola os gabinetes oficiais e chega às rodadas de bebedeiras, nos clubes, boates, casa de campo e encontro de empresários. Tem uma história, transformada em folclore, que é repetida sempre que bate a saudade de um empresário, amante de carros e de velocidade. Contam como se fosse uma grande epopéia, que na década de 70, o Exército exercia rigoroso controle de velocidade aos veículos que trafegassem em frente a porta de entrada do Quartel indo em direção a Santana ou retornando de lá. Dizem esses bravateiros, que esse empresário era “useiro e vezeiro” na prática de exceder no limite de velocidade em tal perímetro. Certo dia um soldado o parou e aplicou a multa dizendo que ele havia transgredido o limite. O tal empresário desceu do carro, abriu a carteira (porta-cédula) e perguntou o valor da multa. Pagou em dobro e advertiu ao soldado: “Este é o pagamento da multa do meu retorno”. E seguiu viagem. E no retorno, repetindo o excesso, nem foi parado porque havia pagado a multa antecipada. Pergunte a qualquer morador da cidade que tenha mais de 40 anos, que além de confirmar a história, vai dizer o nome do empresário, gabando-se da boa memória.

ENTÃO QUEM PODE PAGAR
PODE TRANSGREDIR?

É a mesma coisa que está acontecendo no rádio amapaense: Pode-se exercitar com tranqüilidade a censura, desde que tenha dinheiro para calar a boca de quem incomoda e abrir o zíper do sorriso de quem recebe por essa prática de censura permitida e até legal, do ponto de vista deles. Na década de 60 até a de 80 havia a censura oficial do Estado. Os jornalistas mais habilidosos a driblaram como fazia Mané Garrincha com os “Joões” dele. Acabou a censura e surgiu a mais poderosa de todas: A censura econômica. E assim sendo, os eleitores devem ficar ligados na rádio cipó para saber quem é quem nessas histórias, para que nas próximas eleições fiquem ligados nela, para não permitir que esses censores e gastadores do dinheiro público, que lhe tira escolas, trabalho, postos médicos, transportes coletivo e te submete aos caprichos de pedir esmolas e a se humilhar nas portas dos fundos da Assembléia onde eles passam sempre nos carrões de janelas fechadas, vidros fumê indevassáveis e se escondem nos gabinetes para vê-los de mesma forma quando saem em fuga. E quando começar a campanha eleitoral, vão bater na porta de vocês oferecendo cachaça, rede, aterro e telhas. Peguem tudo que eles oferecem. Peçam mais coisas. Depois dê um cotoco pra eles. Vocês sabem que depois de eleitos, não vão atender vocês nem na porta dos fundos da Assembléia.
TENTAÇÃO DA CENSURA
Raízes da intimidação da imprensa
Por Eugênio Bucci em 14/3/2008
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 13/3/2008; título original “Raízes da intimidação”, intertítulos do OI
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu ao governo brasileiro, na segunda-feira, 10 de março, informações sobre liminares que restringem a atuação de jornalistas. O organismo internacional se baseou em denúncias que recebeu de três entidades – a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Article 19, uma ONG de ação global pela liberdade de expressão, e o Centro para a Justiça e Direito Internacional (Cejil) – e, com sua iniciativa, repôs na ordem do dia o debate sobre o ambiente de intimidação que se agravou no País. É um assunto que não deveria esfriar até ser resolvido. Quais as raízes das hostilidades – travestidas de demandas jurídicas – contra jornalistas? Para onde elas apontam?
A ação da OEA mereceu espaço nos jornais. Segundo escreveu o correspondente da Folha de S.Paulo em Washington, Sérgio Dávila, "os quatro membros da CIDH estão preocupados com medidas cautelares impetradas por juízes contra jornalistas que poderiam caracterizar censura prévia, proibida pela Corte Interamericana" ("OEA cobra Brasil sobre ameaças à imprensa", terça-feira, dia 11, página A6). O Estado de S. Paulo, em matéria de Roberto Almeida ("OEA pede dados sobre processos contra mídia", 11 de março, A7), informou que, "segundo estimativas do portal Consultor Jurídico, sublinhadas pela Abraji, há praticamente uma ação de indenização por danos morais para cada jornalista em exercício nos cinco principais grupos de comunicação". Em 2007 eram 3.133 processos num universo de 3.237 profissionais.
A olho nu
Entre os casos lembrados pelas entidades, o mais clamoroso é o da jornalista Elvira Lobato, da Folha de S.Paulo. Autora de uma longa reportagem sobre a extensão do poder da Igreja Universal do Reino de Deus no mundo da radiodifusão ("Universal chega aos 30 anos com um império empresarial", de 15/12/2007), ela se converteu em alvo de mais de 60 processos. De uma vez. Em dezenas de cidades diferentes. Logo ficou claro que havia algum grau de coordenação entre as ações. Tanto que algumas foram rejeitadas em primeira instância e seus proponentes se viram condenados por litigância de má-fé.
"O que mais preocupa é a articulação com intuito de intimidar a empresa e o jornalista", declarou Paula Martins, da ONG Article 19, ao correspondente Sérgio Dávila. Ela não está sozinha. A Associação Brasileira de Imprensa, em nota oficial de 17 de fevereiro, observou que o Brasil "jamais assistira a uma investida partida da própria sociedade civil contra a liberdade de informação com a abrangência e o conteúdo desta". Três dias depois, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) repudiou, "com veemência, a atitude da direção da Igreja Universal do Reino de Deus, que desencadeia campanha de intimidação contra jornalistas no exercício da profissão". Agora chegam os pedidos de esclarecimento da OEA. Em tempo.
Os processos de fiéis da Igreja Universal contra a Folha e a jornalista Elvira Lobato se revestem de extrema gravidade porque, embora tenham sua origem aparente na vontade de indivíduos isolados, resultam não apenas do que vem sendo chamado de articulação; resultam da conjugação de três campos distintos que, para o bem da democracia, não se deveriam confundir: a religião, os partidos políticos e as empresas de radiodifusão – tentáculos da pregação religiosa e paixões partidárias se mesclam num movimento de implicações comerciais. As linhas se cruzam a olho nu. Assim, membros de uma igreja – a Universal –, cujos dirigentes preferem filiar-se a um partido político específico – o Partido Republicano Brasileiro (PRB) –, ganham destaque na programação da Record se entram com ações contra veículos de comunicação, alguns deles concorrentes diretos da Record ou desafetos de dirigentes e simpatizantes do PRB.
Cultura em formação
A mediação do debate público, função estrutural dos meios de comunicação, impõe a separação rigorosa entre empresas de mídia, partidos, igrejas e, principalmente, governos. Onde junções dessa ordem são toleradas, há mais risco de captura da comunicação social por interesses nocivos à atividade da radiodifusão – que, não custa lembrar, é definida pela legislação como serviço público, mesmo quando explorada por empresas privadas. Foi, bem a propósito, o que anotou o Estado de S.Paulo há menos de um mês, na sua página de editoriais ("Apoio à intimidação da imprensa", de 21 de fevereiro): "A ameaça de fundo à liberdade de imprensa reside na apropriação de um bem público, o espaço por onde trafegam os sinais de rádio e TV, por emissoras confessionais a serviço do interesse político de seus controladores".
Por que tudo isso ocorre no Brasil? Em parte, porque, na prática, os marcos regulatórios da radiodifusão brasileira dão margem, por omissão da lei ou negligência na fiscalização, a essas monstruosidades institucionalizadas – tema central do trabalho investigativo que Elvira Lobato desenvolve. De outra parte, porque a cultura política não vê problemas na barafunda entre partidos, igrejas e televisões. Alguns políticos até dão de ombros e tratam a nova modalidade de uso do Judiciário para fins de intimidação como se fosse uma inocente busca de direitos. Outros prometem copiar a tática dos fiéis da Universal. Ensaiam-se outros flertes com o obscurantismo. O que vem agora?
A agressão à liberdade que vai virando moda é produto, é conseqüência de debilidades de uma cultura democrática ainda em formação e das lacunas de marcos legais defasados. É uma conseqüência que requer atenção redobrada para que não se desdobre, ela mesma, em causa – causa de coisa muito pior.

RESPONSABILIDADE SOCIAL DA MÍDIA
A liberdade de imprensa
entendida como um dever

Por Eugênio Bucci em 2/10/2007
Segundo de uma série de quatro artigos sob o título geral "A imprensa e o dever da liberdade – A responsabilidade social do jornalismo em nossos dias"
Não há razoabilidade, como já ficou demonstrado [ver "A missão de servir ao cidadão e vigiar o poder"] em supor que a liberdade de imprensa deva se condicionar à inexistência de erros. Ela não é uma recompensa que se outorgue aos veículos que acertam ou um privilégio que se interdite aos que erram; é, sim, premissa inegociável para a prática do jornalismo, seja ele bom ou ruim. A ninguém no governo pode caber a tarefa (ou a veleidade) de melhorar (ou de pretender melhorar) o nível do jornalismo. Isso não faz sentido.
Desde que o governo, qualquer que seja ele, não atrapalhe, o jornalismo, qualquer que seja ele, pode se dedicar a se aprimorar – e ele só melhora quando cumpre o seu dever de ser livre. Dever: esta é a palavra. Fala-se muito no dever da verdade, e com razão. Fala-se na fidelidade com que se devem reportar os fatos e o debate das idéias, também com razão. Mas a busca da verdade factual começa pela busca da verdade essencial do jornalismo, cujo nome é liberdade. Esta é a verdade interior que o anima e, sem cultivar sua verdade interior, ele seria incapaz de divisar a verdade que lhe é exterior. O profissional do jornalismo não pode admitir – nem a sociedade pode admitir que ele admita – a hipótese de que o exercício do jornalismo não seja livre, afirmativamente livre.
Ser livre é um imenso desafio, o maior de todos. A liberdade não é apenas letra. Ela só existe se for exercida de fato, por meio da visão crítica, do rigor, da objetividade, na obstinação por tornar públicas as informações que o poder preferiria ocultar. A liberdade floresce mais no conflito que no congraçamento, tanto que alguns a confundem com a mera falta de educação – o que também é uma forma de rebaixá-la. De um modo ou de outro, por um caminho ou por outro, ela precisa ser explícita, ostensiva mesmo, pois disso depende a confiabilidade, a credibilidade e a autoridade da imprensa. Se não reluzir na liberdade quente, a imprensa morre.
Cânones da ética
Quanto à responsabilidade, esta não deve ser entendida como um contrapeso da liberdade. Ao contrário, a liberdade é a maior e a primeira das responsabilidades do jornalismo. O resto vem depois: justiça, equilíbrio, ponderação, elegância etc. As chamadas virtudes do ofício existem para sustentar seu bem maior, a liberdade. Ela é a virtude-mãe, diante da qual as demais são acessórias.
Nem mesmo o apartidarismo, um cânone da boa prática de imprensa, é para o jornalista um imperativo tão alto quanto o de ser livre. O apartidarismo é uma exigência? Sem dúvida, é uma exigência – mas apenas porque reforça o primado da independência editorial, que está na base da qualidade da informação. Isso significa que uma revista ou um jornal têm todo o direito de apoiar abertamente uma causa partidária, desde que não o faça com dinheiro fornecido pelos cofres públicos – nesse caso, teríamos o erário financiando uma legenda em detrimento de outras, o que configuraria uma forma de uso da máquina pública para fins partidários ou pessoais.
Essa distinção não é menor. Basta ver que uma emissora de TV ou de rádio, sendo concessão pública, sofre – e deve sofrer – restrições que a impedem de promover editorialmente uma candidatura a cargo público, por exemplo, pois os serviços públicos não devem se prestar à promoção partidária, o que também caracterizaria uma forma de apropriação privada de serviços públicos. Quanto a um veículo impresso ou eletrônico que não seja concessionário da administração pública, este pode, dentro da sua esfera de liberdade, lançar apelos para que seus leitores se filiem a uma campanha ou mesmo que votem num determinado candidato.
Claro que, no plano ético, não se deve burlar o pacto de comunicação com o público. Para o seu próprio bem, não é recomendável que uma publicação dissimule o seu conteúdo, fingindo que está veiculando uma coisa – informação objetiva – para entregar outra – proselitismo. Agindo assim, além de ameaçar a si mesma com o risco do descrédito, ela macularia as bases da instituição da imprensa. Fora isso, no plano da legalidade ou da normalidade institucional, um veículo impresso pode muito bem exercer a sua liberdade abraçando uma bandeira que o identifique com um determinado partido, num determinado momento.
Assumirá o risco: se o seu gesto deixar a impressão de que renunciou à sua própria liberdade para se converter num apêndice de uma agremiação ideológica, a perda de credibilidade virá. Esse veículo terá jogado no lixo a razão pela qual um dia mereceu o respeito do público, mesmo daquele público que, eventualmente, concorde com as causas que ele abraçou. De resto, o apoio a uma causa de um partido, num momento delimitado, não significa partidarismo, mas, é bom ter claro, até mesmo a prática ou a aparência de prática do partidarismo, que contraria um dos cânones da ética de imprensa, só é um problema para o jornalismo porque implica a renúncia da liberdade – esse sim, o valor maior.
Direito e dever
Em resumo, a liberdade não funciona como redoma, um manto protetor que acolhe maternalmente os profissionais, livrando-os de cobranças, de julgamentos e condenações. Liberdade não é impunidade, mas um fator que impele o jornalista a se expor a julgamentos e punições. É uma bandeira que a imprensa tem o dever de empunhar, por mais que isso lhe custe – e custa. Quando negocia algumas de suas franjas, ainda que mínimas, ela deixa de ser imprensa e se converte na sua pior negação, traindo suas origens passadas e turvando o seu futuro.
Para o jornalista, exercer a liberdade é um dever porque, para o cidadão, ela é um direito. Para que este possa contar com o respeito cotidiano ao seu direito à informação, o jornalista não pode abrir mão do dever da liberdade. [Continua.]
Leia tambémA missão de servir ao cidadão e vigiar o poder – Eugênio Bucci
"O jornalismo precisa ser livre do governo, qualquer governo" – Luiz Egypto entrevista Eugênio Bucci

ENTREVISTA / EUGÊNIO BUCCI
"O jornalismo precisa ser livre do governo, qualquer governo"
Por Luiz Egypto em 25/9/2007
O jornalista Eugênio Bucci deixou a presidência da Radiobrás em abril último certo de haver cumprido o compromisso assumido com o presidente Lula, que o convidara para o cargo quando de sua eleição para o primeiro mandato, em 2002. Com a experiência acumulada em redações e na universidade, e agora no serviço público, Bucci reuniu massa crítica suficiente para produzir reflexões tão pertinentes quanto as que oferece na série "A imprensa e o dever da liberdade – A responsabilidade social do jornalismo em nossos dias", que o Observatório publica a partir desta edição.
A tese central do texto é que o jornalista e o jornalismo têm o dever de ser livres de toda e qualquer amarra que comprometa sua independência. De outra parte, Bucci também sustenta ser "vital que a imprensa debata a imprensa", embora, no Brasil, ainda estejamos longe de "tratar o direito à informação no nível dos demais direitos, como a educação ou a saúde". "Onde esse direito não se faz respeitar integralmente, a liberdade necessária para bem informar a sociedade não pode ser exercida plenamente", afirma.
O texto, como se verá, não sugere fórmulas prontas nem receitas universais, mas reafirma o papel da mídia, da imprensa e de seu princípio ativo, o jornalismo, como fatores decisivos no processo de aperfeiçoamento da democracia. E reivindica mais qualidade ao jornalismo praticado nos meios de informação como condição essencial para a manutenção de seu compromisso histórico com o interesse público. Por isso mesmo a mídia deve submeter-se ao exame continuado exercido pela sociedade: "Quanto mais debatida publicamente, melhor é a imprensa", diz Bucci, que concedeu ao Observatório a entrevista a seguir.
***
Por que deixou a presidência da Radiobrás no início do segundo mandato do presidente Lula? Continuar à frente da autarquia não seria importante para aprofundar as mudanças que promoveu nos quatro anos e três meses de sua gestão?
Eugênio Bucci – Eu já havia anunciado, até mesmo publicamente, desde 2005, que não continuaria no cargo após o primeiro mandato. No final de 2002, após as eleições presidenciais, eu enxergava uma grande abertura, uma oportunidade para imprimir mudanças de cultura na comunicação de instituições públicas. As portas de transformação me pareciam abertas. Não sei se era uma visão sensata, mas o fato é que tive a sorte de contar com uma equipe de gente reconhecida, alguns com grande experiência e já consagrados, como Celso Nucci, Carlos Knapp, José Alberto da Fonseca, Henri Kobata, Pedro Frazão, Bruno Vichi, Roberto Gontijo, Gustavo Krieger e depois José Roberto Garcez, que ficou na presidência da Radiobrás após a minha saída, Flávio Dieguez, Helenise Brant, além de jovens jornalistas como Rodrigo Savazoni, André Deak, Aloísio Milani, Spensy Pimentel e outros, que me ajudaram a mudar o que foi possível mudar.
Mudamos muito. Tentamos melhorar os serviços prestados aos cidadãos. Do começo ao fim, trabalhamos sob a convicção de que o direito à informação de que cada brasileiro é titular tinha de estar acima das causas partidárias do governo. Em parte, conseguimos e o projeto foi reconhecido como sendo justo. Cumpri até o fim meu compromisso com o presidente Lula e entreguei o cargo no dia 31 de outubro de 2006. A minha saída, porém, tardou um pouco. Fiquei até o momento em que o presidente designou um novo ministro para a área, que foi Franklin Martins, com quem me entendi bem. Levei a ele o projeto de fusão da Radiobrás com a TVE, que ele levou adiante. Claro que ainda há mudanças necessárias. Há desafios. Mas a minha parte está feita.
Que balanço faz de sua passagem pelo governo e de ter trabalhado numa área tão estratégica quanto a comunicação? Qual sua maior alegria e a maior frustração?
E.B. – Não me arrependo de ter ido para a Radiobrás. Não me arrependo de ter permanecido por quatro anos, três meses e vinte dias na função. Não me arrependo de ter saído quando foi a hora. Aprendi muito, mas muito mesmo. Sou grato por isso. Acho que a minha maior alegria foi constatar que é possível, numa empresa pública, informar o público de modo objetivo, sem permitir que as pressões partidárias contaminem o noticiário. O governismo, no meu modo de ver, é um partidarismo ainda mais grave, é um partidarismo com agravante. Conseguimos varrer os piores vícios do governismo na Radiobrás. Às vezes, escorregamos, e quando isso aconteceu tentamos reconhecer os erros e corrigi-los publicamente.
A maior frustração foi não ter conseguido mudar o regime de obrigatoriedade de transmissão da Voz do Brasil, um tipo de comunicação oficial que, além de anacrônico, é ridiculamente inútil. Cheguei a defender publicamente a flexibilização do horário obrigatório, ao lado do então presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo. Não adiantou nada.
Você se auto-impôs uma quarentena quando saiu da Radiobrás. Por que o fez e para que lhe serviu o período de recolhimento?
E.B. – Só agora estou saindo desse isolamento. Um período de silêncio que me fez bem. Embora a lei não exija quarentena para o cargo que ocupei, senti que incorreria em alguma ordem de conflito de interesses se assumisse alguma outra função imediatamente. Eu me sentiria melhor se desse um tempo. E foi o que fiz. Depois, eu queria trabalhar em alguns textos que tinha deixado pendentes. Este, sobre o dever da liberdade, que o Observatório passa a publicar a partir de hoje, em quatro capítulos, é um desses trabalhos. Aproveitei o tempo para isso.
O tempo em que esteve na Radiobrás coincidiu com o incremento da popularização, no Brasil, das tecnologias de informação e comunicação e com a maior relevância do público (leitor, ouvinte, telespectador, internauta) como personagem atuante – muitas vezes protagonista – no processo da comunicação. Como, e com que resultados, as novas mídias foram incorporadas pelo jornalismo praticado na Radiobrás?
E.B. – Essa pergunta vem a calhar, porque nesse meu texto, "A imprensa e o dever da liberdade", que é publicado agora pelo Observatório, não trato diretamente das novas tecnologias. Nele, eu me concentro no papel do jornalista, qualquer que seja o suporte, como dizem, se papel, internet, televisão, rádio. Tento frisar o dever de ser livre. Alguns afirmam que com as chamadas "novas mídias" o lugar convencional do jornalista se dilui, e que surge uma espécie de parceria entre o profissional e o cidadão leigo na condução da reportagem, pois todos podem atuar na rede de computadores, online, ao vivo, no calor da hora. Do ponto de vista das possibilidades técnicas que alargaram os alcances da interação entre os sujeitos – as redes independentes, as manifestações na internet, os blogs e assim por diante – isso é verdadeiro. Mas, do ponto de vista do zelo que o profissional da imprensa precisa ter em relação à independência, garantindo confiabilidade para os relatos que leva a público, não houve alterações, embora na superfície tudo se mostre meio embaralhado. Ao contrário, a independência, nesse contexto, é mais crucial do que antes.
No texto, procuro falar sobre a atualidade do tema da independência. É verdade que, em matéria de novas tecnologias, a nossa experiência na Radiobrás avançou consideravelmente, apesar da escassez de recursos. Por exemplo: a Agência Brasil, sob a chefia de Rodrigo Savazoni, inaugurou, em junho de 2006, um novo projeto gráfico e uma nova plataforma, inteiramente baseada em Creative Commons, um novo regime de compartilhamento de conteúdos, criado por Larry Lessig, de Stanford. A Agência Brasil foi uma das primeiras a adotar esse protocolo no Brasil, em linha com as grandes modificações que o ambiente da comunicação vem sofrendo.
A propósito, há um bom livro, The Wealth of Networks, de Yochai Benkler, de Yale, ainda não traduzido no Brasil, que reflete com precisão e originalidade sobre esses novos cenários. O livro vem sendo debatido numa seqüência de seminários, no Instituto de Estudos Avançados da USP, que são coordenados pelo professor Imre Simon. A Agência Brasil está familiarizada e sintonizada com essas novas idéias. Abrir os conteúdos, estabelecer links horizontais com outros portais, sites e blogs são desafios que contaram, no Brasil, com o pioneirismo de equipes da Radiobrás. Rodrigo Savazoni e André Deak, um outro jornalista da Agência, já trataram disso em artigos publicados no Observatório da Imprensa [ver "Notas sobre a construção de um jornalismo livre" , "Nova prosa para novas mídias" e "O bom e velho jornalismo está morrendo"]. O resultado do trabalho que eles realizaram não poderia ter sido mais animador. A Agência conquistou alguns prêmios de jornalismo – como aconteceu com outros veículos da Radiobrás – ao mesmo tempo em que abriu a sua produção para que outros a utilizassem com mais rapidez e flexibilidade, mas sem permitir que seu noticiário fosse capturado por interesses engajados do governo ou dos movimentos sociais. Ela manteve sua autonomia. Aprofundou-a. Inovou também no plano da linguagem. Algumas coberturas contavam com infográficos animados, com vídeos, com uma integração radical entre texto, som, imagem, design. Foi uma experiência bem satisfatória.
Como avalia a influência que a crescente interatividade e a possibilidade ampliada de acesso a fontes alternativas de informação têm exercido sobre a atividade jornalística? O jornalismo brasileiro, impresso e eletrônico, tem dado conta de acompanhar essa nova realidade?
E.B. – Com a internet, o cidadão opina e interfere sobre o noticiário a quente. Ele tem oportunidades para entrar no noticiário. Com isso, claro, a rede de fontes potenciais também se amplia, o que nos traz uma razão a mais para se fugir daquele vício antigo de entrevistar sempre a mesma meia dúzia de fontes para os mesmos assuntos. Em nosso programa de qualidade editorial, liderado por Celso Nucci, procurávamos exigir pluralidade e qualidade em matéria de fontes, para além do lugar-comum. Acho que vale mencionar que adotamos parâmetros éticos e editoriais, oficiais e públicos – nós os publicamos na internet –, que proibiam o uso de informações em off. Fora isso, a Agência Brasil inaugurou, no início de 2007, a coluna do ouvidor, que é o jornalista Paulo Machado. Com base nas opiniões dos chamados internautas, ele escreve semanalmente uma crítica pública do trabalho da Agência. Para suas avaliações, ele pauta pelos parâmetros do conjunto dos documentos oficiais da Radiobrás, como os planos editoriais e os padrões éticos de objetividade e apartidarismo.
Uma crítica corrente ao desempenho da mídia no Brasil é a de que os meios de comunicação, sobretudo a dita "grande mídia", têm-se comportado mais como partidos políticos do que como instâncias promotoras do interesse público. É perceptível, ademais, certa compulsão em desqualificar a mídia como instrumento da democracia. Qual o sentido disso? O fato de a mídia pouco discutir a si própria contribui para distorcer as avaliações correntes sobre seu papel na sociedade?
E.B. – De fato, a "crítica de mídia" está virando um esporte nacional entre nós. O que é bom, apesar de alguns momentos quase humorísticos. Faço apenas um ou dois comentários. O primeiro, diz respeito ao método. A expressão "a mídia" talvez seja ampla demais e nos conduz a uma generalização pouco eficaz. Mesmo a expressão "a grande mídia" não é útil nesse sentido. O segundo diz respeito ao que há de positivo quando a imprensa discute a imprensa. Eu diria que todo veículo jornalístico tem a ganhar quando debate publicamente os seus procedimentos, da maneira que lhe for mais adequada. Nisso, é possível que ainda tenhamos que avançar um pouco mais no Brasil. Quanto ao resto, o primeiro dever do jornalismo é ser livre. Ser explicitamente livre. Para começar, ele precisa ser livre do governo, qualquer governo. Nessa matéria, chamo atenção para um ponto sobre o qual temos falado pouco: o grande volume de verbas públicas que vão parar nos veículos comerciais como anúncios publicitários é um fator preocupante. Nos órgãos de imprensa mais vulneráveis, esse dinheiro – ou a sua ausência – pode ser uma pressão sobre a linha editorial. Esses recursos tendem a congregar um conjunto de veículos que se afinam em demasia com as causas dos governos – federal, estaduais ou municipais –, o que é algo tradicional no Brasil e não é nada saudável.
De minha parte, eu me sinto mais tranqüilo com uma imprensa que às vezes pode até cometer excessos, mas os comete com franca independência em relação aos governos, do que me sentiria com uma imprensa toda ajuizada que sempre apoiasse os governantes. Claro que a imprensa deve ser elegante, equilibrada, justa, objetiva etc., ao menos do meu ponto de vista, mas seu primeiro dever é ser independente. Financeira e editorialmente. Se alguns veículos querem bancar partidos políticos, desde que não o façam com dinheiro público, e desde que não sejam objeto de concessão pública, como é o caso das emissoras de rádio e TV, estão no seu direito. Se carregarem nas tintas, se distorcerem, cedo ou tarde perderão credibilidade e pagarão por isso.
É indiscutível que a mídia exerce um papel central nas sociedades contemporâneas e, também por isso, tem o poder de pautar agenda pública. Esta constatação implica a sugestão de que a este poder deva corresponder um contrapoder, e que a atividade dos meios de comunicação deveria ser submetida a algum tipo de regulação. Como isso poderia se dar? Quem deve vigiar o poder exercido pela mídia, e como?
E.B. – O público deve vigiar a mídia. As associações da sociedade civil devem fazê-lo. Os partidos políticos, os acadêmicos, os jornalistas, os sindicatos, os próprios meios de comunicação devem vigiar a mídia. Quanto mais debatida publicamente, melhor é a imprensa. O Estado e o governo têm que ficar fora disso. Eles precisam ficar longe de qualquer tentação de vigiar ou de regular o conteúdo dos noticiários. Se desobedecem esse protocolo tácito que é um pressuposto da democracia, agem mal. As autoridades devem explicitamente afastar qualquer aparência de que querem vigiar a imprensa. A velha fórmula continua válida: a imprensa vigia o poder; jamais o contrário. Claro que isso vale não apenas para o poder político, mas vale também para o poder econômico e também para o poder concentrado nos meios de comunicação: a imprensa deve vigiá-los. Acima de tudo, porém, a velha fórmula vale para o poder político. É em relação a ele que o dever da liberdade começa.
O desenvolvimento dos meios de comunicação e o aprimoramento do jornalismo deram-se em concomitância com a consolidação dos valores universais da democracia. Concorda que uma mídia – e uma atividade jornalística – atuante e crítica é condição sine qua non para a sobrevivência de uma sociedade democrática? Como avalia as críticas acerbas de importantes atores sociais à atuação da mídia que temos?
E.B. – Concordo integralmente com a assertiva da pergunta. Sobre as críticas que são feitas por atores sociais à imprensa, são da normalidade. Devem ser debatidas em público. Quanto mais, melhor.
A decisão do governo federal de construir uma rede de TV pública suscitou a convocação de um inédito Fórum Nacional das TVs Públicas, derivou para o processo de preparação de uma Conferência Nacional de Comunicação e, de algum modo, ajudou a ampliar a discussão sobre a democratização das comunicações no país. Qual o futuro da comunicação pública no Brasil? Como uma TV pública pode contribuir para a disseminação do debate sobre o direito à informação numa sociedade tão desigual como a nossa?
E.B. – Uma única palavra sintetiza o desafio desse momento: independência. Trata-se de saber se as emissoras públicas serão mais independentes a partir de agora, após o Fórum Nacional de TVs Públicas – que, aliás, fez da independência a sua principal palavra de ordem – ou se permanecerão no atual estágio de governismo, que ainda é a regra, sem prejuízo das meritórias exceções. Depois, o outro desafio é a austeridade administrativa. Ineficiência, cabides de emprego, essas coisas não podem mais acontecer. Remover as velhas práticas é trabalhoso, mas é possível.
A sociedade precisa de emissoras de comunicação pública, não-comercial. Nas principais democracias é assim que se estrutura o espaço público. Há um equilíbrio entre a comunicação comercial e a comunicação pública. A pauta, o repertório, a lógica de uma e de outra não se confundem – ou, melhor, ambas não deveriam se confundir. Quando a rádio ou a televisão pública apenas copiam, e de modo rebaixado, o que as comerciais já fizeram antes, tornam-se irrelevantes e descartáveis. No Brasil, ainda padecemos disso. A comunicação pública só irá vingar entre nós se for independente, tanto dos governos quanto dos mercados, se for gerida com austeridade, se for uma escola para novas linguagens, se encontrar sua especificidade insubstituível. Isso é possível, mas ainda falta muito chão.
Algo que não disse nesta entrevista e gostaria de ter dito?
E.B. – Creio que tudo me foi perguntado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Certainly, it is right

Anônimo disse...

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